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Triunfo da Espanha na Eurovisão de 1968: Revisitação em “La Canción”

Triunfo da Espanha na Eurovisão de 1968: Revisitação em "La Canción"

Desde a década de 1950, com o aumento do fluxo de turistas estrangeiros para suas praias, a Espanha fez um esforço considerável para se integrar à Comunidade Econômica Europeia, apresentando-se como uma nação moderna, apesar de ser governada por um ditador arcaico dos anos 1930. No entanto, até 1968, mesmo com reformas direcionadas, o único espaço europeu que a Espanha havia conquistado era o Festival Eurovisão da Canção — e nem isso foi vencido. Baseada em fatos históricos e personagens reais, a minissérie em três partes “La Canción”, uma produção da Movistar Plus+ e Buendía Estudios, teve sua estreia mundial no Festival de Cinema de Málaga e será distribuída internacionalmente pela Movistar Plus+ Internacional.

A trama começa com o envelhecido ditador Francisco Franco encarregando o ministro Manuel Fraga de garantir uma vitória no Eurovisão. Fraga, por sua vez, repassa a tarefa à TVE, a emissora pública espanhola. Surpreendentemente, eles conseguem: Massiel, uma cantora espanhola extravagante e simpatizante de Fidel Castro, que não tinha nenhuma paciência para Franco, entrega uma performance poderosa de “La la la”, superando por apenas um ponto a música favorita “Congratulations”, de Cliff Richard.

Dirigida por Alejandro Marín (“Amor & Revolução”), a série é ágil, cheia de ritmo e mergulhada na estética retrô, com uma trilha sonora repleta de canções da época. “La Canción” narra, em formato de ficção, os principais eventos que levaram à vitória: a contratação de Artur Caps (interpretado por Alex Brendemühl), um austríaco emigrado que era o rei dos programas de variedades da TVE, para escolher a música; a seleção de Joan Manuel Serrat (Marcel Borràs), um ícone da dissidência catalã e símbolo da modernidade espanhola, para cantá-la; e, quando Serrat desiste por não poder cantar em catalão, a escolha desesperada por Massiel (Carolina Yuste), que, mesmo com pouco tempo para ensaiar, brilha no palco do Royal Albert Hall, em Londres.

O protagonista da série é Esteban (Patrick Criado), assistente de Caps, que, apesar de não entender nada de música, é movido pela ambição de subir na hierarquia do governo de Franco. Produzida por Susana Herreras (Movistar Plus+) e Ignacio Morales (Buendía Estudios), a série é criação de Pepe Coira e Fran Araújo, os mesmos por trás de “Hierro” e “Rapa”, duas das séries mais assistidas da história da Movistar Plus+.

Em “Hierro” e “Rapa”, Coira e Araújo reinventaram o gênero de mistério rural, quebrando as regras ao revelar o assassino no meio da primeira temporada de “Hierro” e ainda mais cedo em “Rapa”. Eles criaram personagens cativantes que conquistaram o público, um dos principais motivos do sucesso das séries.

Com “La Canción”, os criadores trazem um drama altamente envolvente e, muitas vezes, cômico — alguns dos eventos retratados eram simplesmente engraçados, como explica Araújo. Em uma entrevista antes da estreia em Málaga, eles detalharam a abordagem da série:

Pepe Coira: “Não buscamos reproduzir uma comédia espanhola dos anos 60, mas estávamos muito interessados na estética da época, que é uma das bases da série. Embora não a definamos como uma comédia, ela está carregada de humor porque os eventos reais eram assim. Queríamos falar sobre a Espanha sem ser excessivamente solenes, com leveza, mas sem esquecer as circunstâncias do país.”

Fran Araújo: “Nosso objetivo era mostrar os anos 60 como eles realmente foram. O cinema espanhol da época, como os filmes da Marisol, vendia uma realidade falsa de felicidade. Nossa série aborda a burocracia de Franco, os protestos universitários reprimidos pela polícia… É um momento em que estávamos à beira da liberdade, mas ainda não éramos livres.”

Uma cena marcante ocorre entre Massiel e Lucía, namorada de Esteban, em um parque em Paris. Lucía confessa que todos esperam que ela seja farmacêutica, mas ela acha isso entediante. Massiel a aconselha a tomar controle de sua vida e ser o que quiser. Essa cena reflete o impacto da ditadura na vida das pessoas comuns, onde muitos, como Esteban, apenas reagiam às circunstâncias.

Araújo: “Há outra cena em que Massiel diz a Esteban e Lucía: ‘Sei que estamos vivendo um momento difícil, mas não se enganem, eles não controlam sua vida.’ Naquele momento, a maioria das pessoas ainda acreditava que sim, mas começavam a questionar isso.”

Coira: “Vimos nessa série uma grande oportunidade de falar sobre esses temas sem dar lições de história, mas de forma envolvente. Queríamos misturar questões históricas e sociais em uma narrativa um tanto absurda. Além disso, exploramos o mundo da televisão espanhola, essa mistura do sublime e do prosaico.”

Araújo: “O controle da TVE era dividido entre falangistas e tecnocratas do Opus Dei, um microcosmo que refletia o sistema político da época.”

A série ainda está em fase final de pós-produção, com a transferência da imagem digital para película de 16mm, um processo inédito na Espanha. Coira e Araújo, conhecidos por seu trabalho em “Hierro” e “Rapa”, explicam como abordam a criação de séries:

Coira: “Trabalhamos de forma bastante informal. ‘La Canción’ surgiu quando estávamos discutindo ideias e percebemos que havia uma história ali. Não queríamos fazer outro drama policial, embora seja um gênero que nos permite explorar muitas coisas. No fim das contas, ‘La Canción’ não é tão diferente de ‘Hierro’ e ‘Rapa’: é sobre contar uma história com respeito ao público e ser envolvente.”

Araújo: “Nossa obsessão ao escrever é criar personagens complexos com os quais o público queira embarcar em uma jornada, passando horas com esses seres humanos.”


Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com
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