O filme “The Little Sister” revela menos sobre si mesmo e mais sobre um modelo já consolidado do cinema queer, moldado por gerações passadas, que nos faz esperar por algo terrível durante boa parte da narrativa. Histórias de descoberta sexual costumam vir carregadas de expectativas de trauma ou tragédia, e aqui os riscos são altos: Fatima, nossa protagonista, é uma jovem muçulmana devota, filha de imigrantes argelinos em Paris, temendo que seu lesbianismo nascente a leve à rejeição da família e da fé. No entanto, o conflito não surge da maneira esperada neste estudo de personagem tranquilo, onde a autoaceitação é o maior obstáculo a ser superado.
Sensível e empático, mas um tanto tímido na narrativa e no estilo, “The Little Sister” se apoia fortemente na atuação da estreante Nadia Melliti, que traz uma presença marcante, revelando as vulnerabilidades e inseguranças de Fatima por trás de uma fachada reservada. Ainda assim, em certos momentos, o filme parece limitado pelo alcance emocional da personagem. Não é difícil imaginar a própria diretora, Hafsia Herzi, no papel em sua juventude, mas, assim como em seu último trabalho, “Good Mother” (2021), ela permanece atrás das câmeras, guiando o elenco com cuidado e compaixão palpáveis.
Uma vaga na competição de Cannes pode colocar uma pressão excessiva sobre esta obra modesta, porém tocante, mas sua acessibilidade a torna um forte candidato ao circuito de cinema arte. Programadores e distribuidores com foco no público LGBT certamente se interessarão. O filme é dividido em capítulos sazonais, e no primeiro conhecemos Fatima como uma estudante brilhante, desinibida entre amigos, mas uma figura mais contida em casa, contrastando com as irmãs mais velhas e os pais tradicionais. Fora desses círculos, porém, sua insegurança transparece—especialmente quando uma colega a identifica como lésbica, desencadeando uma reação violenta que expõe o pavor de quem vive no armário.
Seu relacionamento com um namorado insistente, ansioso para casar e formar família, só reforça sua desconexão. Fatima busca uma vida mais moderna, ingressando na universidade para estudar filosofia e deixando para trás amizades juvenis enquanto constrói sua identidade adulta. Suas explorações sexuais são hesitantes: encontros marcados por apps, sob identidade falsa, com mulheres mais experientes. Em uma cena memorável, Ingrid (Sophie Garagnon, brilhante) a orienta com delicadeza e franqueza sobre sexo lésbico, insistindo que “nada no sexo é sujo”. Mas é só ao conhecer Ji-Na (Ji-Min Park, de “Return to Seoul”), uma enfermeira coreana, que Fatima finalmente se permite viver uma relação intensa e autêntica, abandonando sua persona reservada.
Apesar de ainda não ter se assumido para a família, ela ganha coragem para participar de uma parada do Orgulho com Ji-Na. Quando a saúde mental da parceira piora e o relacionamento termina, Fatima precisa aprender a se sustentar emocionalmente. Paralelamente, ela questiona sua fé—ainda que continue acreditando, a dúvida sobre a aceitação do Islã a persegue. Um imame local (Abdelali Mamoun) lhe diz, com uma mistura contraditória de gentileza e misoginia, que a homossexualidade feminina é “menos grave” que a masculina. O roteiro de Herzi, adaptado do romance autobiográfico de Fatima Daas, é perspicaz nessas nuances, especialmente em uma cena emocionante em que a mãe (Amina Ben Mohamed) demonstra apoio incondicional.
No entanto, “The Little Sister” peca ao não explorar mais a fundo as relações familiares—o título sugere um foco maior nas irmãs, mas elas ficam em segundo plano. A diretora trata Fatima com tanta dedicação (e a câmera de Jérémie Attard a observa em closes intensos) que os detalhes externos de sua vida acabam desfocados. Mesmo assim, o filme é uma adição valiosa ao cinema queer contemporâneo, equilibrando delicadeza e urgência em sua jornada de autodescoberta.
—
Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com
SAÍDA DO ARMÁRIO?
LIBERDADE