Quando um ator está no auge da carreira, com diretores de elenco disputando seu nome para papéis de destaque e o título de “queridinho de Hollywood” recém-conquistado, é improvável que ele decida dar um tempo das telas por um ano inteiro. Muito menos que seu agente apoie a decisão. Mas foi exatamente isso que Harris Dickinson — um dos nomes em ascensão mais rápida no cinema — fez. Após finalizar as gravações de “Babygirl” no início de 2024, ele mergulhou direto nos preparativos para “Urchin”, sua estreia como diretor. “Fiquei um ano sem atuar”, conta ele à Variety. “Não tive escolha. Era impossível conciliar esse projeto com outros trabalhos. Claro que surgiram oportunidades, mas eu estava totalmente comprometido com isso.”
Esse compromisso agora levou Dickinson ao Festival de Cannes, apenas três anos após sua consagração em “Triângulo da Tristeza”, vencedor da Palma de Ouro, onde interpretou um modelo cuja luxuosa viagem de cruzeiro vira um desastre cômico. Competindo na mostra Un Certain Regard, ele integra um grupo de atores que estreiam como diretores — incluindo nomes como Kristen Stewart e Scarlett Johansson. “Faz todo sentido que eles tenham decidido fazer filmes”, diz Dickinson. “Principalmente quando você vê o trabalho que já fizeram. Fica claro que têm um interesse genuíno pelo cinema.”
Aos 28 anos e com uma carreira mais curta que a de Stewart ou Johansson, Dickinson ainda não tem a mesma bagagem. Mas o desejo de dirigir surgiu muito antes da fama — até mesmo antes de começar a atuar. Em 2021, antes de “Triângulo da Tristeza” transformá-lo em estrela, ele exibiu seu curta-metragem “2003” no London Film Festival. Produzido por Archie Pearch, que conhecera anos antes, o filme foi o primeiro da dupla pela Devisio Pictures. Já “Urchin” — escrito antes mesmo de “Triângulo da Tristeza” e finalizado durante as filmagens — marca a estreia da produtora em longas.
Estrelado por Frank Dillane, o filme acompanha um jovem problemático, porém carismático, nas ruas de Londres, cujas tentativas de reorganizar a vida são sabotadas por seus próprios impulsos autodestrutivos. A trama, experimental em certos momentos, tem até uma pequena participação do próprio Dickinson. O tema, segundo ele, é pessoal: “Pessoas próximas a mim lutam contra comportamentos cíclicos, e me interessei pela psicologia por trás disso. Queria fazer um estudo de personagem profundo, mostrando essa jornada com humanidade.”
Para garantir autenticidade, Dickinson consultou especialistas em liberdade condicional, saúde mental e vícios. “Era fundamental enraizar o roteiro na verdade e fazer justiça ao tema.” Sua experiência como voluntário em causas relacionadas à população em situação de rua — incluindo trabalhar em um abrigo improvisado durante a pandemia — também influenciou o projeto.
As gravações, segundo Pearch, foram desafiadoras: “Passamos a maior parte do tempo nas ruas, de madrugada, com locações múltiplas e um roteiro complexo.” A diretora de fotografia Josée Deshaies (“Passages”, “Saint Laurent”), apesar de nunca ter filmado em Londres, trouxe uma perspectiva única. “Ela nos apoiou muito e ainda mostrou a cidade sob um novo olhar.”
Com o filme pronto e estreando em Cannes, Dickinson retoma sua carreira de ator, interrompida há um ano. Ele interpretará John Lennon na série de filmes sobre os Beatles dirigida por Sam Mendes, ao lado de Paul Mescal, Barry Keoghan e Joseph Quinn. Sobre o projeto, ele só adianta que o sotaque de Liverpool está “em desenvolvimento”. Mas revela que, após as filmagens, planeja voltar à direção — o que significa outro ano longe das telas.
E como sua agência, a Gersch, encara essa pausa estratégica? “Eles sabiam que eu queria dirigir. Avisei quando assinei com eles — essa sempre foi minha prioridade. Apoiaram ‘Urchin’ desde o início”, diz Dickinson. “Mas talvez tenham torcido para eu aceitar algum trabalho entre um projeto e outro.”
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Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com
MUDANÇA DE CARREIRA IMPACTA?
SIM