O cineasta francês Nicolas Philibert é um dos principais documentaristas do mundo, mas, como ele mesmo afirmou ao público no sábado durante o Thessaloniki Documentary Film Festival, continua sendo uma pessoa “humilde”. Na noite anterior, ele havia recebido o prêmio honorário Golden Alexander do festival. Entre outras honrarias, Philibert venceu o European Film Award e foi indicado ao BAFTA por To Be and to Have, além de ter conquistado o Urso de Ouro de Berlim por On the Adamant.
Durante uma conversa no sábado, Philibert revelou que não gosta de ser chamado de “cineasta observacional”. Para ele, não se trata apenas de registrar a realidade, mas de “reescrevê-la”. Ele, que edita seus próprios filmes, destacou que o mais importante é construir uma narrativa. Em entrevista à Variety, ele afirmou que seus documentários podem ser considerados uma forma de ficção, já que representam sua versão da realidade. “Se cinco cineastas filmassem no mesmo lugar ao mesmo tempo, teríamos cinco filmes diferentes”, disse. “É o meu olhar. Eu decido onde colocar a câmera e o que filmar. É a realidade sendo reescrita por mim, não uma mera observação”, explicou durante o evento, que foi descrito como uma masterclass, embora ele não se sinta totalmente à vontade com o termo.
Philibert não gosta de se preparar excessivamente para seus filmes, preferindo manter-se aberto a incidentes espontâneos e valorizando a improvisação. “Eu planejo algo que é acidental”, disse com um sorriso. “É bom estar aberto ao inesperado. Você encontra pessoas que te perturbam, assustam ou te fazem refletir, e isso te estimula a ver as coisas de outra forma.” Ele acrescentou: “Preciso de um ponto de partida, mas não sei aonde ele vai me levar. Nem tenho certeza se vou fazer o filme. Preciso de uma ideia promissora. O importante não é o tema. Não há assuntos bons ou ruins. Podemos fazer um bom filme sobre um tema pequeno ou um filme ruim sobre um tema grandioso. A beleza do filme não é proporcional à importância do assunto.”
Ele também ressaltou que não tem uma intenção específica ao fazer seus filmes. “A beleza do cinema está muitas vezes ligada ao imprevisível. Os momentos de graça são inesperados. Não quero fazer um filme baseado em uma ideia pré-concebida. Tenho uma abordagem humilde porque estou tentando entender. Busco coletar algo que me ajude a compreender por que quis fazer o filme.”
Para Philibert, a relação com as pessoas retratadas em seus filmes é fundamental, e ele precisa criar um “clima de confiança”. “Preciso ter certeza de que vou estabelecer uma relação para que as pessoas possam me dar algo, e também aos espectadores. Uso a câmera para dar voz a essas pessoas e para obter algo que desejo. Não posso saber de antemão o que elas vão me oferecer. Não tento ensinar nada com meus filmes. Tento entender o que essas pessoas podem me ensinar.”
Seus documentários costumam se concentrar em locais específicos, como uma escola ou uma clínica psiquiátrica, e em comunidades. To Be and to Have, por exemplo, foi filmado em uma escola primária em uma vila na França. Ele contou que as crianças não demoraram a se acostumar com a presença da câmera na sala de aula. Ele permitiu que elas brincassem com o equipamento de filmagem antes de começar a gravar no mesmo dia.
Sobre On the Adamant, que se passa em um centro de dia para adultos com diversos transtornos mentais em Paris, ele explicou: “É um filme sobre seres humanos; não é sobre uma clínica psiquiátrica.” Ele destacou que os psiquiatras foram muito receptivos à ideia de filmar, o que também o ajudou a realizar Averroès & Rosa Parks, gravado em duas unidades psiquiátricas do Hospital Esquirol, em Paris, e The Typewriter and Other Headaches, que acompanha alguns dos protagonistas de On the Adamant e Averroès & Rosa Parks em suas casas durante visitas de cuidadores.
“On the Adamant é muito popular entre psiquiatras e já foi exibido para muitos deles. Funcionou como um passaporte. As portas estão abertas porque confiam em mim. Sabem que serei cuidadoso e não farei nada estúpido. Não filmaria alguém que está sofrendo muito. Não filmo pessoas sem que elas saibam.” Ele mantém contato com as pessoas que aparecem em On the Adamant e continua visitando a clínica. “Fui lá há algumas semanas. A aventura continua além do filme. Há uma relação que permanece”, disse.
No início de sua carreira, Philibert filmou um alpinista para uma série de TV chamada Les carnets de l’aventure, e essa experiência o marcou. “Filmar alguém que arrisca a vida diante da câmera não pode ser algo banal. Foi difícil”, relembrou. “Eu queria ter certeza de que a câmera não o levaria a exagerar no que estava fazendo. A câmera afeta a realidade. Ela se torna uma realidade filmada, algo diferente. Eu poderia pressioná-lo a fazer mais do que é capaz e colocá-lo em risco por causa da câmera. Ele seria capaz de resistir a essa pressão? Fazer um documentário implica uma responsabilidade para com aqueles que filmamos.”
Ele acrescentou: “Estamos trazendo pessoas que estão nas sombras para a luz. Algumas coisas nunca serão as mesmas para elas. Elas nunca serão vistas da mesma forma. Elas reagirão de maneiras diferentes. Precisamos estar cientes disso e ter isso em mente. Temos uma certa responsabilidade para com as pessoas que filmamos.”
Quando questionado sobre como sabe que já filmou o suficiente, ele respondeu: “Eu poderia continuar para sempre, mas chega um momento em que a edição se torna um desejo maior. Agora, quero ver como tudo o que coletei se encaixa.”
—
Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com
ACASO PLANEJADO?
SIM