A existência de “Road Diary: Bruce Springsteen and the E Street Band” vai contra tudo o que o Boss acreditava no passado. Até alguns anos atrás, ele mesmo admite que era “muito supersticioso” sobre registrar a banda em vídeo. “Eu não achava que o mágico devesse olhar muito de perto para seu próprio truque, pois isso poderia estragar a magia”, revela Springsteen no Variety’s Awards Circuit Podcast, em um episódio especial sobre o Emmy. “A gente se saía bem sem isso… É incrível que tenhamos registros da época em que éramos mais jovens, porque eu era contra filmagens.”
Dirigido por Thom Zimny, seu colaborador de longa data, “Road Diary” — disponível no Hulu e Disney+ — traz um vasto material de arquivo, incluindo imagens raras de 1975 no Hammersmith Apollo, em Londres. “O que foi filmado naquela época quase aconteceu por acidente”, conta ele. “Naquela noite, a BBC decidiu filmar, e acho que nem percebi na hora. Só fui ver as imagens 30 anos depois.” Mas, recentemente, Springsteen mudou de ideia. “Agora acho que devemos registrar tudo o que fazemos — cada turnê, cada álbum. Virou parte do nosso processo.” Com Zimny, essa filosofia já rendeu trabalhos como “Letter to You”, “Western Stars” e “Springsteen on Broadway”.
O documentário acompanha a turnê mundial de 2023-2025, marcada por um tom mais introspectivo. Springsteen entrou nela com uma visão clara do repertório e da narrativa. “Eu sabia exatamente sobre o que queria cantar e escrever: a banda, nossa filosofia, o que significa envelhecer ao lado dos seus amigos e encarar a mortalidade”, reflete. “Você vê seus amigos partindo com mais frequência hoje em dia. Essas questões estavam na minha cabeça.” Foi assim que “Nightshift”, dos Commodores, virou um destaque inesperado em seus shows. “Sempre adorei essa música. Certa vez, estava num bar em Red Bank, tomei uns tequilas, e quando tocou, me emocionei. É uma obra-prima meio esquecida. Quando decidi fazer um álbum de covers de soul, pensei: ‘Preciso gravar essa!'”
O filme também homenageia Clarence Clemons (falecido em 2011) e Danny Federici (2008), membros originais da E Street Band, com entrevistas antigas. “Essas cenas vêm de um documentário sobre ‘Darkness on the Edge of Town'”, explica Zimny. “Guardei esse material por anos, sabendo que um dia mostraria não só o talento deles, mas seus sorrisos, suas vozes. Quis resgatar a história da banda e a energia dos fãs no palco.”
Nem tudo, porém, entrou no documentário. A pausa forçada da turnê em 2023, devido a uma úlcera gástrica de Springsteen, foi omitida. “Achei que minha úlcera não era digna de cinema”, brinca ele. “Apesar de ter gostado do descanso, odiei cancelar shows. Levei um tempo para me recuperar, mas nunca pensei em incluir isso na história.”
No futuro, Jeremy Allen White interpretará Springsteen no filme “Deliver Me From Nowhere”, sobre a criação do álbum “Nebraska” (1982). “Achei a ideia divertida”, comenta o músico. “É um recorte específico da minha vida, num momento de dificuldades pessoais e gravação simultânea de ‘Born in the USA’. Jeremy Allen White parece ótimo no papel.”
Enquanto isso, Springsteen ainda arrancou risadas ao aparecer em um jogo do Lakers — e segurar uma bola que voou para a plateia. “Era pegar ou levar na cabeça”, ri. Em maio, ele e a banda retomam a turnê na Europa e Canadá. Sobre a possibilidade de um novo álbum ao vivo, ele pondera: “Hoje, liberamos todos os shows. Os fãs podem comprar qualquer um deles. Um disco ao vivo ainda é possível, mas a demanda é menor.”
Questionado sobre o papel da música em tempos de turbulência política, Springsteen não foge: “O artista deve dar sentido ao mundo em que vive, contextualizar sua época. Cada um faz isso à sua maneira. Com certeza, isso vai ecoar na próxima etapa da turnê.”
—
Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com