Há oito anos, a diretora, produtora e editora Daphne Schmon estava no mercado de Cannes em busca de financiamento para seu primeiro longa-metragem de ficção, The Eye, quando teve um insight: ela não sabia por onde começar. “Tivemos uma reunião com um executivo que pediu o plano financeiro, e percebemos o quanto falta conhecimento sobre o lado comercial do cinema”, contou Schmon à Variety durante um café em Londres. Refletindo sobre sua formação na escola de cinema de Wesleyan, ela destacou: “É curioso, há paridade de gênero ao sair da faculdade de cinema, mas algo acontece entre essa fase e Hollywood.” Esse momento crucial deu origem à Breaking Through the Lens, uma iniciativa sem fins lucrativos que promove igualdade de gênero no cinema, oferecendo suporte essencial na etapa de financiamento.
Schmon fundou a organização ao lado de Emily Carlton, sua co-roteirista em The Eye, e da atriz Elpida Stathatou. Em 2018, realizaram o primeiro evento conectando cineastas emergentes a investidores consolidados. Para sua surpresa, receberam confirmações de estúdios como Lionsgate e Sony. “Havia muita demanda por um evento assim”, disse Schmon. “Percebemos que o financiamento é um gargalo no setor. Grandes investidores não querem aparecer publicamente, mas também não têm tempo para filtrar centenas de e-mails. Faltava um elo.”
Este ano, a presença da Breaking Through the Lens em Cannes é mais forte do que nunca. Seu tradicional coquetel terá um bate-papo entre Kristen Stewart, que estreia como diretora com The Chronology of Water no Un Certain Regard, e a roqueira Kim Gordon, do Sonic Youth. No domingo, a organização promove uma mostra exclusiva para investidores, apresentando cinco projetos de cineastas não homens, selecionados por um júri que inclui Diane Kruger. As participantes — Emily Thomas, Olivia Peace, Erin Sayder, Rita Baghdadi, Damiana Acuña e Isabelle Mecattaf — já receberam um grant de €10 mil (cerca de R$ 55 mil) para impulsionar seus filmes. “Pode parecer pouco, mas faz toda a diferença em estágios avançados de produção, quando é o único recurso disponível”, explicou Schmon. Pela primeira vez, a iniciativa também custeou credenciais para o festival e US$ 2 mil para cobrir despesas de viagem. “Não somos só discurso, agimos. Sabemos que participar desses festivais pode parecer inacessível, e isso já é uma barreira”, afirmou.
A Breaking Through the Lens já marca presença nos cinco maiores festivais de cinema, incluindo Sundance, onde a vencedora do primeiro grant, Nadia Fall, estreou Brides. Schmon quer que Sundance e Cannes sejam os pilares da organização, que recentemente abriu um escritório na Grécia para captar recursos europeus e planeja expandir para o México. Nos EUA, onde não há um órgão governamental de fomento ao cinema, o foco será oferecer grants em larga escala para cineastas independentes, especialmente mulheres e diretores marginalizados. “Precisamos de ações, não só palavras. Há boa vontade, mas os números não melhoram: apenas 13,5% dos 100 maiores filmes de 2024 nos EUA foram dirigidos por mulheres. E em 97 anos de Oscar, só três venceram como Melhor Direção”, lamentou Schmon.
Ela também apontou um “viés inconsciente” persistente no setor, mesmo entre executivas. “Já estive em reuniões onde me confundiram com assistente e só falavam com o diretor de fotografia. Tive que reforçar: ‘Eu sou a diretora’. Todos precisamos rever nossos comportamentos”, disse. Além de mulheres, a Breaking Through the Lens apoia cineastas não binários e trans — três dos cinco selecionados este ano se identificam como queer. “Em meio ao debate cultural atual, essa representação é mais crucial do que nunca. O cinema precisa refletir a sociedade, porque ele tem o poder de transformar perspectivas”, concluiu Schmon.
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Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com