Harris Dickinson Estreia Como Diretor Com “Urchin” Mesclando Realismo Social e Surrealismo

Harris Dickinson Estreia Como Diretor Com “Urchin” Mesclando Realismo Social e Surrealismo

O estreia de um ator como diretor pode revelar muito sobre sua visão artística, seja ela positiva ou negativa. No caso de Harris Dickinson, sua primeira direção se mantém coerente com sua jovem carreira.

656d4bce8bd83db914157b2aef61fe39Por Pedro F19 de maio de 2025⏱️ 4 minutos de leitura

A estreia de um ator na direção revela muito sobre sua visão artística – às vezes, de forma surpreendente, distante da imagem que construiu nas telas. No caso de Harris Dickinson, porém, sua primeira incursão como diretor está em perfeita sintonia com sua carreira jovem, porém marcante. Conhecido por escolher projetos independentes e autorais em vez de franquias comerciais, Dickinson traz essa mesma sensibilidade em Urchin, um retrato cru e perspicaz da vida nas ruas de Londres, abordando a crise de sem-teto no país com sensibilidade e realismo. O filme acompanha um jovem em um ciclo vicioso entre prisões, abrigos e as calçadas, sem pretender representar toda uma população marginalizada, mas capturando com autenticidade a experiência individual e suas nuances políticas.

Aos 28 anos, Dickinson se junta a uma nova geração de cineastas britânicos que cresceram sob a política de austeridade do governo do Reino Unido na década de 2010, com cortes brutais em assistência social e serviços públicos. Essa geração parece menos disposta a perdoar as falhas do sistema, herdando em parte o legado do lendário Ken Loach, ícone do cinema realista social. Assim como On Falling, de Laura Carreira, Urchin carrega a influência do olhar observacional e da indignação contida de Loach – e não por acaso estreou em Cannes, no tradicional espaço do Un Certain Regard, onde o veterano diretor costuma brilhar. Distribuidoras independentes deveriam prestar atenção, não apenas pelo nome do diretor, mas pela força do filme.

Onde Urchin se diferencia do realismo clássico de Loach é em seus momentos de surrealismo, mergulhando na mente confusa do protagonista Mike (Frank Dillane) por meio de imagens digitais psicodélicas e visões oníricas – uma caverna escura, um mosteiro gótico – que contrastam com o cenário urbano e decadente do leste londrino. Essas escolhas podem dividir opiniões, mas não são meros floreios: refletem os lapsos mentais e os apagões que mantêm Mike preso em um ciclo de autossabotagem. Dickinson, que assume um papel secundário como um colega de rua de Mike, mostra humildade ao entregar o protagonismo a Dillane, que entrega uma atuação reveladora, equilibrando carisma e autodestruição.

Em uma cena emblemática, Mike parece conquistar a simpatia de Simon, um profissional de classe média que se oferece para comprar-lhe um almoço – apenas para ser agredido e roubado minutos depois. Esse ato o leva mais uma vez à prisão, onde cumpre sete meses antes de sair determinado a recomeçar. Com um emprego em um hotel barato e um quarto em um abrigo graças à assistente social Nadia (Shonagh Marie), ele tenta se manter sóbrio, ouvindo fitas de autoajuda e até cantando Whole Again, do Atomic Kitten, em um momento descontraído de karaokê. Mas sua natureza instável volta a falar mais alto, especialmente quando conhece Andrea (Megan Northam), uma nômade que, sem querer, o arrasta de volta ao vício.

Com uma narrativa que oscila entre esperança e desespero, o roteiro de Dickinson evita soluções fáceis, mostrando a realidade dura de quem vive à margem – um jogo de cobras e escadas onde cada avanço pode ser seguido por uma queda. A fotografia de Josée Deshaies (Passages) e a edição de Rafael Torres Calderón capturam tanto a aspereza quanto os lampejos de leveza nessa existência errante. Urchin sugere, sem romantizar, que uma vida melhor é possível para Mike – mas sua estreia como diretor não faz promessas vazias.


Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com

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