As palavras “influência” e “referência” estão intimamente ligadas, e em qualquer forma de arte, ambas costumam ser — felizmente, na maioria das vezes — um ato de amor, um reconhecimento, uma piscadela de olho para os fãs (desde que não ultrapassem os limites do plágio, é claro). Seja nas profundas referências de Quentin Tarantino aos seus filmes de artes marciais favoritos, na reinvenção de “David Copperfield”, de Charles Dickens, por Barbara Kingsolver, transformado em “Demon Copperhead”, ou na carta de amor aos anos 70 que é Silk Sonic, a parceria de Bruno Mars e Anderson .Paak, as referências geralmente são feitas em espírito de homenagem. E há muitas, muitas dessas homenagens no novo e incrível álbum de Lady Gaga, “Mayhem”. Isso é algo que ela nunca hesitou em fazer ou reconhecer, embora sua famosa frase sobre “não ter medo de referenciar ou não referenciar, colocar tudo no liquidificador, cagar em cima, vomitar, comer e dar à luz” tenha sido dita originalmente em referência a Ryan Murphy, criador de “American Horror Story” e “Glee”. Para “Mayhem”, a própria Gaga destacou influências como “David Bowie, Prince, Earth Wind and Fire… Nine Inch Nails, Radiohead, grunge” e também mencionou o Cure. Embora nem todas essas referências sejam perceptíveis após algumas audições atentas do álbum, muitas delas — e mais — estão lá, incluindo referências a si mesma. A seguir, uma lista incompleta de algumas que notamos após ouvir o álbum algumas vezes…
“Abracadabra” — O groove do baixo sintetizado e hipnótico certamente evoca o hit de Charli XCX, “Von Dutch”, que marcou o início do “Brat Summer”, e a seção operística no meio (“simple mel-o-dee”) traz traços do ABBA dos anos 80. Além disso, há mais do que um leve toque de “Bad Romance” na melodia do refrão, embora, como veremos, esse não seja o único beijo cravejado de couro dado a essa música…
“Vanish Into You” — A primeira de muitas referências a David Bowie: enquanto os versos têm uma leve reverência ao sucesso de 1983, “Let’s Dance”, um floreio funky e estilo Nile Rodgers na guitarra reforça a conexão. Também há um toque de majestade do ABBA nos vocais do refrão e nos arpejos de piano que lembram “The Winner Takes It All” na quebra antes do refrão final. E, claro, mais um flash de “Bad Romance” (“Can I-I-I-I-I… vanish into you”).
“Killah” — Essa música está tão carregada de referências que é difícil saber por onde começar, então vamos começar pelo início: a música mergulha direto em um groove eletrônico profundamente funky que presta homenagem ao hit de 1994 do Nine Inch Nails, “Closer”, seguido por versos com uma cadência quase idêntica à de “Sign O’ the Times”, do Prince. O refrão não só inclui riffs de guitarra que lembram não um, mas dois sucessos de David Bowie dos anos 70 — “Golden Years” e “Fame” —, mas a melodia descendente do refrão também evoca o “FAME-Fame-fame-faaaaame” da última música e, provavelmente sem intenção, a canção de Lil Wayne com Robin Thicke, “Shooter”, de 2006.
“Zombieboy” — O título, claro, faz referência ao falecido amigo de Gaga, Rick Genest, um ator e artista tatuado que apareceu no clipe de “Born This Way” e faleceu após uma queda em 2018. As referências musicais são menos óbvias, embora haja riffs de guitarra robustos que lembram o estilo de Nile Rodgers no hit de 1977 do Chic, “Good Times”, e um refrão que evoca o sucesso de Gwen Stefani de 2004, “Hollaback Girl”.
“How Bad Do U Want Me” — Essa é outra mina de referências: a música ou sampleia ou interpola o clássico de 1982 do Yaz, “Only You”, mas o que mais chama atenção são os ecos de “Blank Space”, do álbum “1989” de Taylor Swift. A melodia e os vocais cheios de desejo, os backing vocals gritados e a cadência do refrão apontam diretamente para essa música, e há até um eco da letra “’Cause you know I love the players/ And you love the game” na frase de Gaga: “You love the crush/ You love the rush”.
“Don’t Call Tonight” — Mais uma guitarra no estilo Chic e um segmento vintage de vocoder dos anos 70, um tratamento que já foi ouvido em tudo, desde “Mr. Blue Sky” do ELO até várias músicas do Daft Punk.
“Garden of Eden” — Como notado por muitos fãs — e como mostra essa comparação lado a lado —, essa música é basicamente uma regravação de uma demo aparentemente chamada “Private Audition”, que Gaga gravou no final dos anos 2000 com o produtor Rodney “Darkchild” Jerkins, fechando o ciclo desse jogo de “descubra a referência”.
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Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com