Muito antes de Alfred Hitchcock se tornar um nome conhecido por clássicos como Psicose e Ligação Direta, sua carreira no cinema começou no Reino Unido. E antes mesmo de lançar filmes britânicos dos anos 1930, como Os 39 Degraus, ele já trabalhava com cinema mudo. Para Ben Roberts, CEO do British Film Institute (BFI), e Arike Oke, diretora executiva de conhecimento e acervo, há um valor especial em revisitar os filmes mudos que Hitchcock dirigiu entre 1925 e 1929. “Nessas obras, já é possível identificar elementos que ecoam em seu trabalho posterior, quando ele já era um cineasta consagrado”, diz Oke. “Também vemos seus primeiros experimentos com enquadramentos, narrativa e temas como mistério, assassinato e melodrama.”
O primeiro filme de Hitchcock, O Prazer do Jardim (1925), uma produção britânico-alemã, faz parte dos nove filmes mudos restaurados pelo BFI em 2012. Outros destaques dessa fase incluem O Inquilino (1927), com um assassino ao estilo Jack, o Estripador, e Champagne (1928), conhecido por sua abertura experimental que passa por uma taça de champanhe antes de adentrar um prédio. No entanto, uma obra permanece perdida: A Águia da Montanha (1926), que seria seu segundo filme. A única imagem sobrevivente não é um frame do filme, mas uma foto de Hitchcock dirigindo as cenas – algo que Oke considera “especialmente emocionante”. O BFI até brinca que essa obra está em sua própria lista de “mais procurados”, sendo considerada a película perdida mais cobiçada do mundo.
Durante um painel no TCM Classic Film Festival deste ano, Roberts e o diretor Guillermo del Toro (A Forma da Água) mencionaram Portugal e Espanha como possíveis locais para buscar A Águia da Montanha. “Nunca se sabe onde pode aparecer. Talvez já estejamos além de nossas capacidades de pesquisa”, admite Roberts. Mas a esperança persiste. Filmes podem ser perdidos e reencontrados de maneiras inesperadas – em 2015, o BFI achou uma cópia perdida do desenho da Disney Sleigh Bells (1928), estrelado por Oswald, o Coelho Sortudo, que estava catalogado, mas não identificado como perdido. “Temos muitos títulos da Disney, Warner Bros. e MGM, mas não sabemos o que falta nesses acervos”, comenta Oke. “Talvez um dia aconteça o mesmo com A Águia da Montanha – alguém pode tê-la catalogado com outro nome ou nem saber que a possui.”
Para os filmes que o BFI já recuperou, o trabalho de restauração é minucioso: reunir negativos, colaborar com instituições como a Film Foundation e digitalizar o material. “Não queremos criar algo novo, apenas devolver a experiência original ao público”, explica Oke. O recente projeto de restauração de Hitchcock é um exemplo disso. Del Toro, em sua conversa no festival, reforçou a importância desse resgate: “Todas as ferramentas do Hitchcock foram forjadas em sua fase britânica. Sua abordagem do horror, do crime e o expressionismo alemão estão lá.”
Em uma era digital onde a preservação fílmica é subvalorizada, Roberts destaca a ligação entre o cinema clássico e o contemporâneo. Tom Cruise, ao receber um prêmio do BFI, mencionou como atores do cinema mudo influenciaram sua carreira. “Isso mostra por que é essencial manter viva a memória do cinema”, diz Roberts. Além dos clássicos, o BFI também se dedica a preservar produções digitais modernas, como séries da Netflix e Amazon Prime. “Se não fizermos isso, daqui a 50 anos, pouco restará da cultura audiovisual de hoje”, alerta Oke. “Estamos arquivando na era do excesso.”
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Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com