O Fantasma da Estrela Yotei: A Força Letal da Feminilidade Encarnada

Em Ghost of Yotei, Atsu, uma guerreira conectada à natureza, busca vingança enquanto pinta e luta contra opressores no Japão dos anos 1600.
Eu fui até o Sensei Takahashi para aprender a arte com o yari, mas estamos sentados na beira de um penhasco com vista para o mar, pintando sumi-e. Em “Ghost of Yotei”, há muitas oportunidades para afastar-se da luta contra ronin e explorar este estilo de pintura da Ásia Oriental, mas esta é a primeira vez que isso faz parte do treinamento da protagonista Atsu.
Isso faz sentido, pois a tão aguardada sequência de “Ghost of Tsushima”, lançada em 2020, narra a jornada de uma guerreira em busca de vingança. Entre as batalhas sangrentas, Atsu adota muitas práticas semelhantes às do protagonista do jogo anterior, Jin Sakai. Ela medita em fontes termais, presta homenagem a deuses em santuários, segue animais até pontos de interesse e liberta criaturas aprisionadas.
No entanto, Atsu possui uma conexão ainda mais profunda com a natureza do que Jin, e sua afinidade pelas artes, combinada com uma determinação letal, transforma “Ghost of Yotei” em uma poderosa celebração da feminilidade.
A mulher guerreira
Atsu, interpretada com grande profundidade por Erika Ishii, é uma jovem complexa. Embora seja teimosa e rígida em suas crenças (acredita que aqueles que mataram sua família devem morrer pelas suas mãos, custe o que custar), há uma suavidade nela que tenta disfarçar diante dos outros. Quando viajantes se aproximam de sua fogueira, ela instintivamente chega perto de sua katana; só quando percebe que são necessitados, apreciadores do shamisen (instrumento de cordas japonês) ou membros do povo Ainu (indígenas de Hokkaido), ela se desarma.

Esse isolamento é uma forma de proteção. Ser mulher no Japão do século XVII significava obedecer aos homens e, geralmente, não era permitida a viagem sozinha. Enquanto mulheres da classe trabalhadora eram obrigadas a trabalhar, ao lado de seus maridos ou como anfitriãs em tavernas, Atsu viveu a maior parte da vida aprendendo a lutar e se aventurando para sobreviver, o que torna qualquer encontro com estranhos repleto de dúvidas e incredulidade.
“De jeito nenhum; ela é mulher,” um colonizador diz ao ouvir a oferta de seu amigo para pagar a Atsu por proteção durante a viagem.
Além da incredulidade, a violência é uma ameaça constante. Uma mulher que encontra ao longo do caminho compartilha a experiência de ter se escondido entre homens por anos, suportando em silêncio uma dolorosa marcação por temer revelar sua identidade. Em outro momento, Atsu adentra os aposentos de um líder samurai, apenas para descobrir que ele está despido e espera uma prostituta. Mais tarde, ela passa despercebida por uma casa de saquê por estar vestida com um quimono. Durante uma partida de zeni hajiki, seu oponente narra a história de como uma mulher tímida e recatada entrou em seu antro de jogos anos atrás e enganou todos os homens que a subestimaram. Posteriormente, descobrimos que essa mulher era a mãe de Atsu.
Ainda que não seja o foco principal da narrativa, a feminilidade de Atsu está sempre presente, como um véu quase invisível que cobre o mundo. Será que aqueles homens mais adiante tentarão atacá-la ou oferecerão seus produtos? Será que um tirano sanguinário aceitará a oferta que ela trouxe ou a trancafiá-la-á e a sujeitará a horrores que apenas as mulheres conhecem?
As ecofeministas apontam para os problemas que surgem ao associar as mulheres à natureza, apenas para subjugá-las. Sob o comando de um líder insano conhecido como Oni, os Oni Raiders atacam uma parte de Yotei, colocando fogo em fazendas e devastando a paisagem, deixando cicatrizes negras sobre a terra. Quando uma mulher tenta escapar de sua prisão, os mesmos homens a matam e penduram seu corpo em frente às celas, como um aviso àqueles que ousarem resistir.
Atsu compreende bem o que esses indivíduos representam: uma ameaça não apenas a ela, mas a todas as criaturas vulneráveis e até mesmo à vegetação de Yotei.

Uma força da natureza
Atsu se torna especialmente vulnerável ao interagir com as criaturas de Yotei, principalmente quando explora suas florestas, planícies e montanhas, já que ali se sente em casa. É nesse ambiente que frequentemente para para tirar seus materiais de sumi-e e pintar ondas quebrando contra as rochas, ou faz uma reverência diante de uma pequena placa de madeira, apenas para ser envolvida por vagalumes japoneses, ou ainda toca seu shamisen enquanto está montada em Shimaki, seu cavalo.
Ela parece ter uma habilidade sobrenatural para se conectar com a natureza – seja ao encontrar e acalmar cavalos fugidos para levá-los de volta aos seus donos, ou ao seguir um raposo que a leva a algo extraordinário, ou até mesmo convocando um lobo para seu lado com as cordas do seu shamisen. Atsu é, de fato, uma força da natureza: uma mulher com o vento sempre a seu favor e lobos prontos para serem chamados, com os dentes à mostra, para atacar qualquer homem.
Quando Atsu relaxa em uma fonte termal, frequentemente é acompanhada por um ou mais amigos animais: um majestoso cervo branco ou alguns raposos barulhentos. Ela prefere essas companhias aos seres humanos. “Às vezes eu desejaria ter pessoas para conversar, mas então elas abrem a boca e falam e falam e falam–e aí eu me lembro do porquê de estar sozinha,” diz Atsu, submersa em águas azul-leitosas.

Conversar com pessoas, para Atsu, frequentemente termina com elas na ponta de sua katana. “Não machuco crianças nem animais,” afirma Atsu. Em vez disso, ela combate os homens que prejudicam os animais, por vezes com esses mesmos animais ao seu lado. Ela é a personificação da fúria da natureza, sua espada perfurando armaduras como o vento gélido do topo do Monte Yotei.
Embora se possa argumentar que Yotei é uma extensão dos temas xintoístas de Tsushima (uma religião indígena japonesa que acredita que deuses habitam a natureza), a conexão de Atsu com o mundo natural é muito mais profunda do que a de Jin. E quando entrelaçada com os rumores que circulam em Yotei de que ela é uma onryō (um espírito vingativo que recusa o descanso eterno até que sua vingança seja cumprida), seus laços com a natureza se tornam ainda mais intensos.
Ela é capaz de invocar esse poder feminino e sobrenatural para liberar um Grito Onryō, aterrorizando os homens diante dela e os forçando à submissão – ela concentra os braços, quase absorvendo a energia ao seu redor, até que solta um grito aterrorizante que faz a terra tremer, amassa a grama e derruba homens ao chão.
Atsu é uma força da natureza e uma defensora de sua proteção. Ao longo de “Ghost of Yotei”, testemunhamos sua habilidade de convocar esse poder para fazer justiça por homens, mulheres, crianças e animais que foram maltratados por aqueles que estão no poder, por aqueles que preferem queimar a terra em vez de deixá-la prosperar. É fácil torcer por ela, sucumbir à tentação de realizar apenas mais uma missão secundária onde elimina caçadores de lobos ou escalar mais uma rocha para se ajoelhar diante de um altar que toca o céu. Ela é a protetora da natureza – uma mulher divinamente perigosa – e nós apenas estamos ajudando-a nesse caminho.