Japão Não Fez Balanço Crítico Sobre Passado Colonial, Diz Neo Sora em “Happyend”

Em uma sessão de perguntas e respostas após a exibição de seu filme, realizada antes da premiação do Asian Film Awards em Hong Kong, o cineasta Neo Sora discutiu sua obra indicada, “Happyend”. O longa é uma reflexão profunda sobre amizades desfeitas em meio a um cenário de instabilidade política no Japão de um futuro próximo. No filme, ambientado em Tóquio, a ameaça de um terremoto catastrófico paira sobre a cidade. Dois amigos, Yuta (interpretado por Kurihara Hayato) e Kou (Hidaka Yukito), de origem coreana, pregam uma peça no diretor da escola antes da formatura, o que leva à instalação de um sistema de vigilância no colégio. A estreia de Sora como diretor de longas-metragens entrelaça relações pessoais com temas sociopolíticos mais amplos, criando o que ele descreve como “diferenças de escala” entre as dinâmicas íntimas dos personagens e um comentário social abrangente.

“O cerne do filme é a amizade, mas especificamente a sensação de perder um amigo por causa de diferenças políticas”, explicou Sora. “Isso é algo muito pequeno, porque envolve apenas você e outra pessoa. Mas, como a razão é algo maior, de cunho social, uma das coisas mais importantes que eu queria fazer era sugerir essa grandiosidade de escala por meio de pequenas interações.”

Trabalhando com um orçamento limitado, Sora fez escolhas estratégicas para amplificar o impacto do filme. Uma cena de protesto que estava no roteiro original foi cortada, decisão que, segundo ele, fortaleceu a narrativa ao focar exclusivamente na perspectiva de Yuta após seu amigo Kou decidir seguir o ativismo político. “Kou de repente tem um mundo que é inacessível para nós, assim como é inacessível para Yuta”, disse Sora. “Essas percepções de que talvez estejamos vivendo em mundos diferentes agora, mesmo que nossos mundos já tenham sido os mesmos, são o que leva ao fim da amizade deles.”

Ambientado em um futuro próximo onde a cultura DJ se tornou algo antiquado e a música gerada por IA domina o cenário, “Happyend” explora a resistência à comercialização. O filme começa com as autoridades fechando um local de música underground. “A maioria das pessoas ouve música gerada por IA, dependendo do que ela faz você querer ouvir”, revelou Sora sobre o cenário do filme. “Essa comunidade de DJs vai contra isso. Eles dizem: ‘Não, queremos escolher o que ouvimos e descobrir o que realmente ressoa conosco hoje, a partir do passado.'”

Sora usa essa estrutura narrativa para examinar a identidade japonesa e a xenofobia, temas que ele conecta diretamente à amnésia histórica. “Algo que eu realmente quero questionar é o que é a identidade japonesa”</strong, disse Sora. “Ela é muito construída. Quando eu pensava sobre as razões por trás da xenofobia e do racismo no Japão, cheguei à conclusão, após pesquisas, de que isso se deve ao fato de o Japão não ter refletido sobre seu passado colonial.”

O cineasta detalhou as políticas pós-Segunda Guerra Mundial: “Após o Japão perder a guerra, surgiu a questão do que fazer com todas as pessoas que estavam nas colônias ou que vieram das colônias para o Japão. O governo japonês tinha medo de conceder cidadania a essas pessoas porque, se elas obtivessem cidadania, poderiam votar.”

Apesar de ter começado a escrever o roteiro há oito anos, Sora observou que os temas do filme se tornaram ainda mais relevantes. “Eu não lancei o filme agora por algum motivo específico”, disse ele. “Leva tempo para desenvolver, especialmente um primeiro longa-metragem narrativo.”

O diretor também discutiu sua abordagem em relação a elementos técnicos específicos, incluindo uma cena silenciosa e impactante de terremoto, projetada para não desencadear traumas em espectadores que já vivenciaram eventos sísmicos reais. Quando questionado sobre a baixa participação dos jovens japoneses nas eleições em contraste com o foco do filme em protestos, Sora destacou que um dos personagens principais, Kou, não tem direito a voto devido à sua cidadania coreana. “Eu não acho que votar seja o ápice do engajamento político”, acrescentou Sora. “Reunir-se nas ruas, em espaços públicos, talvez seja a forma mais elevada de ação democrática que você pode fazer.”

“Happyend” está indicado nas categorias de Melhor Novo Diretor e Melhor Revelação (Kurihara) no Asian Film Awards deste ano, com os vencedores sendo anunciados no domingo à noite em Hong Kong. O filme estreou em Veneza e já conquistou prêmios no Golden Horse e no Goteborg.


Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com

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