Crítica Nacional Israelense: Instrumento Incisivo de Nadav Lapid

Ninguém esperava que Nadav Lapid se contivesse em seu primeiro longa-metragem após os eventos de 7 de outubro de 2023. O cineasta israelense já se consolidou como um dos críticos mais ferrenhos e eloquentes das políticas de seu país natal, com filmes como Synonyms (2019) e O Joelho de Ahed (2021) transbordando raiva e vergonha diante da cultura militarista e da censura artística em Israel. Mesmo com essa expectativa, seu novo trabalho, Yes, surpreende pela intensidade crua de sua fúria contra o Estado — personificada em um protagonista ambíguo: um músico que aceita compor um hino nacional exaltando a destruição da Palestina.

Uma sátira maximalista que oscila entre o desespero e o êxtase, Yes é tão sutil quanto uma bala de canhão ao esfacelar as elites e seus seguidores. Alternando entre comédia absurda e crítica política afiada, o filme consegue ser tão grave quanto uma cena de dança sincronizada ao som de The Ketchup Song. Após O Joelho de Ahed, premiado no Festival de Cannes, a escolha de exibir esta obra densa e contundente fora da seleção oficial — na mostra paralela Directors’ Fortnight — levantou suspeitas. Seria receio dos curadores diante de um filme tão provocador e atual? Distribuidores de cinema arte certamente dirão “não” a Yes, uma obra que divide até mesmo quem compartilha de suas ideias, dada sua ousadia estilística. Mas Lapid não está interessado em agradar: este é um grito cinematográfico, uma resposta imediata e sem filtros a atrocidades que não permitem discrição ou bom tom.

Interpretado com maestria por Ariel Bronz, o anti-herói Y (não confundir com o protagonista de O Joelho de Ahed) é um pianista que se apresenta em números coreografados de Eurodance, envolvendo-se em situações absurdas — desde devorar uma baguette até mergulhar a cabeça em uma tigela de ponche. Sua parceira de dança (e esposa), Yasmine (Efrat Dor), complementa o espetáculo caótico, que cativa a elite de Tel Aviv. A rotina inclui até uma “batalha de dança” com militares israelenses, seguida de serviços sexuais para um cliente excêntrico em uma mansão repleta de cabeças de animais empalhados. Assim é A Boa Vida, título irônico do primeiro ato do filme.

Fora dos palcos, Y e Yasmine levam uma vida modesta, criando o filho pequeno enquanto lutam para sobreviver como artistas. O título Yes reflete a incapacidade de Y de dizer “não”, mesmo quando confrontado com propostas que corroem sua dignidade. A gota d’água vem quando um oligarca russo (Aleksei Serebryakov, tão perturbador quanto em Anora) o contrata para compor um hino que celebra a carnificina em Gaza, com letras que exaltam o extermínio palestino. O choque? Esses versos não são ficção: foram extraídos de uma composição real do grupo ativista Civic Front. A cereja do bolo é um videoclipe com crianças de coro, rostos distorcidos por IA, cantando o hino — uma imagem que beira o surreal, mas é assustadoramente real.

No segundo ato, O Caminho, Y mergulha no deserto em busca de inspiração, enquanto confronta a fronteira palestina, marcada por uma cortina de fumaça. Acompanhado por uma ex-namorada (Naama Preis), funcionária do exército israelense, ele ouve um discurso inflamado sobre os crimes do Hamas — justificativa para a destruição que testemunha. Enquanto isso, Yasmine e a voz da falecida mãe de Y, declaradamente antissionista, o pressionam a questionar seus “sim”. No ato final, A Noite, essas contradições explodem: o filme deixa claro que, diante do horror, a neutralidade é insustentável.

Quem espera um filme lírico como Synonyms ou denso como O Joelho de Ahed pode se surpreender. Yes é um manifesto cinematográfico, direto e incisivo, que não abre espaço para ambiguidades. Lapid não apenas expõe a barbárie, mas exige que seu lado seja tão alto e incisivo quanto o ruído da guerra.


Este artigo foi inspirado no original disponível em variety.com

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